20060701

CONTO: AMOR DE SAL

AMOR DE SAL

Um rei tinha três filhas; perguntou a cada uma delas, por sua vez, qual era mais sua amiga?
A mais velha respondeu:
– Quero mais a meu pai do que à luz do Sol.
Respondeu a do meio:
– Gosto mais de meu pai do que de mim mesma.
A mais moça respondeu:
– Quero-lhe tanto como a comida quer o sal.

O rei entendeu por isto que a filha mais nova o não amava tanto como as outras e pô-la fora do palácio.
Ela foi, muito triste, por esse mundo e chegou ao palácio de um rei, aí se ofereceu para ser cozinheira.
Um dia veio à mesa um pastel muito bem feito, e o rei ao parti-lo achou dentro um anel muito pequeno e de grande preço.
Perguntou a todas as damas da corte de quem seria aquele anel.
Todas quiseram ver se o anel lhes servia; foi passando até que foi chamada a cozinheira e só a ela é que o anel servia.
O príncipe assim que a viu ficou logo apaixonado por ela, e ficou a pensar que devia ser família de nobreza.
Começou então a espreitá-la, porque ela só cozinhava às escondidas e viu-a vestida com trajos de princesa.
Foi chamar o rei seu pai e ambos viram o caso.
O rei deu licença ao filho para casar com ela, mas a menina tirou por condição que queria cozinhar pela sua mão o jantar do dia da boda.
Para as festas de noivado convidou-se o rei que tinha três filhas e que pusera fora de casa a mais nova.
A princesa cozinhou o jantar, mas nos manjares que haviam de ser postos ao rei seu pai não botou sal de propósito.
Todos comiam com vontade, mas só o rei convidado é que não comia.
Por fim perguntou-lhe o dono da casa, porque é que o rei não comia?
Respondeu ele, não sabendo que assistia ao casamento da filha:
– É porque a comida não tem sal.

O pai do noivo fingiu-se raivoso, e mandou que a cozinheira viesse ali dizer porque é que não tinha colocado sal na comida.
Veio então a menina vestida de princesa, mas assim que o pai a viu, conheceu-a logo e confessou ali a sua culpa por não ter percebido quanto era amado por sua filha, que lhe tinha dito, que lhe queria tanto como a comida quer o sal, e que depois de sofrer tanto nunca se queixara da injustiça de seu pai.

Teófilo Braga
1988 Contos Tradicionais do Povo Português

 

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